O Que É Lugar De Fala


Djamila Ribeiro

A Filosofa, Djamila Ribeiro,  organizadora da coleção Feminismos Plurais, em seu livro O que é lugar de fala, discute sobre o que seria esse conceito de "lugar de fala" dialogando com autoras como a Patricia Hill Collins, bell hooks, Grada Kilomba, Lelia Gonzalez e Gayatri Spivak.
Patricia Hill Collins

bell hooks

Grada Kilomba

Lelia Gonzalez

Gayatri Spivak

 
A autora inicia o livro com o discurso historico da ex-escrava, ativista, escritora e abolicionista do século XIX, Soujouner Truth (1797- 1883), em 1851 na Convenção dos Direitos da Mulher, em Akron, Ohio, EUA; intitulado E eu não sou uma mulher ? (Ain't I a woman?). É a partir dessa discurso da Sojouner Truth que a Djamila Ribeiro problematiza a questão  da universalização da categoria mulher, criticando uma epistemologia universal, e o feminismo hegemonico, sustentando a necessidade  de se levar em conta a questão da raça e identidade sexual para romper a invisibilidade de grupos historicamente silenciados.

Soujuner Truth



 "Muito bem crianças, onde há muita algazarra alguma coisa está fora da ordem. Eu acho que com essa mistura de negros (negroes) do Sul e mulheres do Norte, todo mundo falando sobre direitos, o homem branco vai entrar na linha rapidinho.

Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem – desde que eu tivesse oportunidade para isso – e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? Eu pari 3 treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher?

Daí eles falam dessa coisa na cabeça; como eles chamam isso… [alguém da audiência sussurra, “intelecto”). É isso querido. O que é que isso tem a ver com os direitos das mulheres e dos negros? Se o meu copo não tem mais que um quarto, e o seu está cheio, porque você me impediria de completar a minha medida?

Daí aquele homenzinho de preto ali disse que a mulher não pode ter os mesmos direitos que o homem porque Cristo não era mulher! De onde o seu Cristo veio? De onde o seu Cristo veio? De Deus e de uma mulher! O homem não teve nada a ver com isso.

Se a primeira mulher que Deus fez foi forte o bastante para virar o mundo de cabeça para baixo por sua própria conta, todas estas mulheres juntas aqui devem ser capazes de conserta-lo, colocando-o do jeito certo novamente. E agora que elas estão exigindo fazer isso, é melhor que os homens as deixem fazer o que elas querem.

Agradecida a vocês por me escutarem, e agora a velha Sojourner não tem mais nada a dizer"


Anastasia e o silencio
 Esse discurso evidencia que não se pode universalizar a categoria mulher, porque o mito da feminilidade, da fragilidade feminina, da rainha do lar, pertenceu ao universo das mulheres brancas, e as mulheres negras permaneceram invisibilizadas  no debate feminista, ocupando um lugar critico de serem o outro do outro.

Assim, a autora evidencia a importancia de se considerar o "lugar de fala", compreendendo que este é um debate estrutural, e não pós-moderno, isto é, um debate relacionado as experiencias comuns dos grupos subalternizados, e não de experiencias individuais, pois "mesmo as pessoas negras de classe média não estão isentas dos efeitos da discriminação de oportunidades geradas pela segregação racial e, por conseguinte, pela discriminação do grupo. (p.62). Ela critica a tentativa de deslegitimar a luta antirracista, antimachista, anti-LGBTT fóbica através da visibilidade de discursos de individuos pertencentes a grupos oprimidos, que legitimam opressões. (me veio logo a mente o caso do Fernando Holiday)

Lugar de Fala, portanto, é sobre a condição social de grupos, sobre a localização social dos grupos frente a uma hierarquia social de relações de poder; " o que se está questionando é a legitimidade que é conferida a quem pertence ao grupo localizado no poder." (p.68)

O lugar de fala nos leva a pensar sobre quem foram os sujeitos  autorizados a fala no projeto de colonização - os homem brancos heterossexuais - De forma em que é necessário escutar por parte desses sujeitos que sempre foram autorizados a falar; e é necessário também que esses mesmos sujeitos estudem a branquitude, a cisgenaridade, e o que lugar que se fala para se pensar nas hierarquias e desigualdades. "O fundamental é que individuos pertencentes ao grupo social privilegiado em termos de locus social, consigam enxergar as hierarquias  produzidas a partir desse lugar e como esse lugar impacta  diretamente na constituição  dos lugares dos grupos subalternizados." (p.86)

"Falar de racismo, opressão de gênero, é visto geralmente  como algo chato, "mimimi" ou outras formas de deslegitimação. A tomada de conciência sobre o que significa  desestabilizar a norma hegemonica é vista como inapropriada ou agressiva porque aí está se confrontando o poder." p.78 

"Pensar no lugar de fala seria romper com o silêncio instituido para quem foi subalternizado."

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Pediplanos e Inselbergs na Bahia

Carta Solar

Sujeito Periferico em São Paulo e cultura