Holocausto Brasileiro

Holocausto Brasileiro - Hospício de Barbacena


Holocausto Brasileiro - Vida, genodio e 60 mil mortes no maior hospício do Brasil - é um livro jornalístico escrito pela Daniela Arbex, lançado em 2013, que conta a história do Hospício de Barbacena com casos emocionantes das vitimas e de funcionários da instituição, na qual a maior parte dos internos não apresentavam qualquer diagnóstico de doença mental. Fundado em 1903 com 200 leitos, em 1930 já se encontrava em superlotação, em 1960 contava com mais de 5.000 pacientes, tendo os leitos sidos substituídos por capim, os chamados "leitos no chão". Em 1959 esses "leitos no chão" foram recomendados pelo poder público a outros hospitais mineiros.


O hospício foi construido como prêmio de consolação da cidade de Barbacena por ter perdido o posto de capital do estado de Minas Gerais para Belo Horizonte. A Estação Bias Fonte era a última parada da longa viagem do chamado "trem de doido"  que cortava o interior do país levando gente de todos os cantos do Brasil. 



Barbacena, Juntamente com os municípios de Juiz de Fora e Belo Horizonte compunham o chamado corredor da loucura. Dezenove dos vinte e cinco hospitais psiquiátricos de Minas Gerais existentes até 1980 se localizavam nesse corredor; as três cidades possuíam 80% dos leitos da saúde mental no Estado.



Recomendo esse livro para todos os cidadãos. As discussões sobre a Reforma psiquiátrica precisa ultrapassar o circulo dos profissionais, os psicólogos e psiquiatras, e estar presente na sociedade civil de uma maneira honesta e bem fundamentada; porque ainda hoje existe muita desinformação, preconceito, e estigmatização sobre a doença mental.
 
É preciso ter consciência de como o Estado, as Instituições, e o saber medico foram, ao longo da história, legitimadores de praticas desumanizadoras, genocidas, abusivas, contrárias a dignidade e aos direitos da pessoa humana. O livro Holocausto Brasileiro não conta apenas a história do Hospital Psiquiátrico de Barbacena, no qual eram mandados todos os "desajustados sociais", os desafetos, os inconvenientes: lá estavam os epilépticos, os mendigos, as mulheres contestadoras, as mulheres estupradas e engravidadas pelos seus patrões, as filhas rebeldes, os tímidos, os pobres, os pobres, os pobres... Barbacena fabricou os loucos através da exclusão, da estigmatização, das torturas físicas, psicológicas e sexuais; escravizou pessoas na construção civil, lobotomizou, matou e comercializou os corpos das vitimas. Pelo menos 60.000 pessoas morreram.
 
O livro conta também como o estado de Minas Gerais se tornou o primeiro a acolher as reivindicações sobre a reforma psiquiátrica. Mais do que isso, esse é um livro essencial para fomentar o debate sobre a importância da luta antimanicomial, principalmente nos dias atuais, em que menos de 20 anos após a lei federal que regulamenta os direitos das pessoas com doença mental e que prevê a extinção progressiva de todos os manicômios brasileiros ter sido sancionada; o governo Temer aprova autoritariamente, uma nova política nacional de saúde mental que retrocede os avanços feitos nesses últimos anos, ao sinalizar a volta das internações em manicômios, ao precarizar os CAPS, ao concentrar na figura do psiquiatra o cuidado, quando limita os recursos aos CAPS e STR, e aumenta os recursos aos hospitais psiquiátricos.



 Espaços Heterotópicos

O Hospital Psiquiátrico de Barbacena pode ser pensado a partir do conceito foucaultiano de heterotopia presente no texto Outros Espaço em 1986. Nesse texto Foucault aponta que se o século XIX foi o século da história, o século XX seria o século do espaço.  
 "Nós vivemos na  época da simultaneidade: nós vivemos na época da justaposição, do próximo e do longínquo, do lado-a-lado e do disperso. Julgo que ocupamos um tempo no qual a nossa experiência do mundo se assemelha mais a uma  rede  que  vai  ligando  pontos  e  se  intersecta  com  a  sua  própria  meada  do  que  propriamente a uma vivência que se vai enriquecendo com o tempo."
Para Foucault o espaço ou sítio, é definido por relações de proximidade entre pontos e elementos, de forma que o sítio tomou uma forma de relação entre vários sítios que são marcados por dicotomias - espaço publico x espaço privado; espaço do lazer x espaço do trabalho; espaço cultural x espaço útil - que revelam que o processo de dessacralização do espaço não é completo. Foucault enumera os sitios de transporte - trem, as ruas, os onibus -; os sítios de relaxamento  cafés, cinemas, praias -; os sítios fechados de descanso - a casa, o quarto.
 "Mas,  de  todos  estes  sítios,  interessam-me  mais  os  que  se  relacionam  com  todos  os  outros sítios, de uma forma que neutraliza, secunda, ou inverte a rede de relações por si  designadas,  espelhadas  e  reflectidas.  Espaços  que  se  encadeiam  uns  nos  outros,  mas entretanto contradizem todos os outros.

Para Foucault esses sítios seriam o da utopia e o da heterotopia. Utopia seria um lugar irreal, imaterial, idealizado, "o que não tem lugar", espaços irreais onde a sociedade se apresenta de uma forma aperfeiçoada ou virada ao contrário.  Heterotopia seria o inverso de utopia, isto é, um lugar existente, concreto, localizável, mas no entanto, apesar de possuir relações com outros espaços, seria um lugar que estaria fora de todos os outros lugares, estaria à margem.

 Há  também,  provavelmente  em  todas  as  culturas,  em  todas  as  civilizações,  espaços  reais  –  espaços  que  existem  e  que  são  formados  na  própria  fundação  da  sociedade  -  que  são  algo  como  contra-sítios, espécies  de  utopias  realizadas  nas  quais  todos  os  outros  sítios  reais  dessa  dada  cultura  podem  ser  encontrados,  e  nas  quais  são,  simultaneamente,  representados,  contestados  e  invertidos.  Este  tipo  de  lugares  está fora  de  todos  os  lugares,  apesar  de  se  poder  obviamente  apontar  a  sua  posição  geográfica  na  realidade.  Devido  a  estes  lugares  serem  totalmente  diferentes  de  quaisquer outros sítios, que eles reflectem e discutem, chamá-los-ei, por contraste às utopias,  heterotopias.
Foucault chama atenção para as atuais heterotopias desviantes, lugares nos quais são postos indivíduos cujos comportamentos fogem a norma, como os asilos, as prisões, e os hospitais psiquiátricos. 



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